28 de fev. de 2011

CONFLITOS E MODELOS MÍDIATICOS

Batalha d Guadalupe no ano de 711




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O primeiro ponto a se considerar relacionado à apuração dispensada pela mídia internacional quanto aos fatos envolvendo a questão árabe-israelense se refere ao preconceito. A forma como o islamismo é representado projeta a cultura árabe, num todo, ao atraso milenar. Assim, chegam ao Ocidente via agências noticiosas e correspondentes dos principais veículos de comunicação da Europa e América do Norte reportagens retratando os países árabes como pobres, distantes do progresso tecnocientífico das nações cristianizadas e num ambiente de instabilidade política devido aos governantes, monarcas absolutistas ou militares tiranos.

Em termos de pré-julgamento, destaca-se aquele que atinge diretamente a religião. O islamismo recebe contornos de fanatismo, conectado diretamente aos atos terroristas, à violência na região, à discriminação de mulheres, idosos e crianças. O jornalista Ali Kamel percebe essa visão distorcida "como a regra, quando, na verdade, são apenas uma aberração cometida por ditaduras sanguinárias e regimes despóticos. E a imagem do islã sai manchada"(1) pela cobertura midiática ocidental quando esta desconhece as características intrínsecas das diferenças culturais dos países de influência árabe.

O escritor Edward Said(2) manifesta outro ponto de vista quanto à imagem que se apresenta do islã. Ele percebe a presença de rótulos preestabelecidos pelas comunidades de interpretação. O primeiro é aquele que atua apenas como referência de identificação. Exemplo: "Fulano é muçulmano", ou "Beltrano é cristão". O segundo rótulo designa atributos mais abrangentes, em geral depreciativos. Os rótulos não separam islâmicos de cristãos, mas islâmicos de ocidentalistas. O cristianismo é apenas parte de uma dimensão muito mais complexa das sociedades ocidentais. 
"Enquanto que o ‘Ocidente' tem uma dimensão maior e supera a fase do cristianismo, sua principal religião, o mundo islâmico - apesar da diversidade de suas sociedades, histórias e línguas - segue na religião no primitivismo e no atraso. Portanto, o Ocidente é moderno, maior que a soma de suas partes, pleno de enriquecedoras contradições e todavia sempre ‘ocidental' em sua identidade cultural; o mundo islâmico, contudo, não é mais que o ‘islã', algo reduzido a umas poucas características imutáveis apesar de que as contradições e a variedade de experiências que apresenta são tão abundantes como as do Ocidente."(3) 
Um segundo ponto para reflexão aponta para o fim da Guerra Fria e a concentração do noticiário internacional sobre a única potência político-econômico-militar do planeta, os Estados Unidos. Se as relações dos norte-americanos com Israel já eram visíveis antes do esfacelamento do império soviético, estas se consolidaram ainda mais a partir da primeira invasão do Iraque, no início de 1991. 
Essa dependência israelense dos Estados Unidos influencia diretamente a reprodução dos fatos na mídia lotada na região. Dorneles acusa as empresas jornalísticas de cederem espaço para uma angulação noticiosa. Tal seqüência constrói um modelo, de acordo com as conveniências ditadas pelos representantes legais do governo israelense, assim: 
"Quem lê sobre o conflito no Oriente Médio nas páginas dos jornais tem a impressão de que as informações obedecem ao mesmo padrão. E obedecem mesmo. São quase sempre informações que têm como origem as autoridades de Israel. Um exemplo sistemático é o da descrição das vítimas dos conflitos. As vítimas israelenses têm história, profissão, coisas a dizer. As palestinas são números ou simplesmente anônimas."(4) 
As cenas de terrorismo apresentam corpos esfacelados de israelenses e a indicação do causador dos atentados: guerrilheiros ou terroristas palestinos, ou de algum indivíduo de qualquer nacionalidade árabe. E ao fazer essa relação, a mídia fixa a idéia de que palestinos simbolizam fanatismo, terror, medo. O jornalista Robert Fisk, do jornal britânico The Independent, cita um motivo para os correspondentes internacionais se esquivarem da uma cobertura mais equilibrada, cujo conteúdo evidencie as reais ações israelitas: "Quando os jornalistas se recusam a dizer a verdade sobre Israel, o medo de ser caluniado como anti-semitas significa que estamos ocultando ações terríveis no Oriente Médio."(5) Trata-se de um argumento simplório demais para ser usado como desculpa pelos repórteres e editores. Todavia, sinaliza para a existência incondicional de substratos informacionais no contexto de disputa e concorrência pela coleta de dados junto às fontes. 
Nesta mesma edição, Fisk imputa à diplomacia israelense no exterior a tentativa de pressão sobre os editores internacionais nas principais redações do Ocidente, com o objetivo de amenizar as críticas ao primeiro-ministro. Assim, a mídia divulga rótulos hostis aos palestinos, pronunciados por políticos e religiosos de Israel. Vocábulos como bestas sobre dois pés,serpentescrocodilosescorpiõesguerrilheirosterroristasfanáticosextremistas designam tanto o povo palestino como seus líderes. Tal situação vexatória recebe censura do filósofo francês Régis Debray,(6) presidente de honra do Instituto Europeu de Ciências das Religiões. Discorrendo em seu memorando a respeito da questão palestina, ele denuncia os governos israelenses como administradores de doses paliativas sobre a memória da imprensa. Said confirma essa tendência de controle das notícias e imagens despachadas por correspondentes de países ocidentais no Oriente Médio. Essas informações não se encontram sob a tutela de empresas jornalísticas árabes, mas atendem às conveniências das agências norte-americanas e européias.(7) 
A fim de se compreender esse jogo de interesses, não há como deixar de lado a análise de Brian Whitaker.(8) Ele descortina a presença de eufemismos(9) nos textos das notícias, reportagens e artigos que abordam os problemas do Oriente Médio. Em sua pesquisa, ele detectou um padrão, no qual os palestinos sempre atacam e os israelenses respondem. Os palestinos passam a figurar como vilões da história, os monstros assassinos e covardes. Atacados, os israelenses têm o direito de se defender, mesmo que isso represente o massacre de pessoas inocentes. E os correspondentes internacionais perfilam esse caminho. Mesmo quando as forças de Israel tomam a iniciativa de atacar, nas manchetes aparecem apenasrespostas aos prováveis riscos de sofrer um ataque terrorista.
Whitaker enumera três motivos avaliados como perigosos ao se destacar uma versão parcial pró-Israel: Em primeiro lugar, quando a imprensa divulga que a situação caótica pode ter um final se os palestinos encerrarem as ações violentas; em segundo plano, a violência segue um ciclo espiral ascendente, cujos desdobramentos não parecem chegar a um termo. Sempre existe a justificativa das forças israelenses para a resposta; na terceira razão, a imprensa sempre desculpa as atitudes de Israel, mas dificilmente as palestinas. A pseudotransparência palestina exposta pela mídia internacional serve tão-somente para denegrir a imagem dos cidadãos de Gaza e da Cisjordânia e, por extensão, de toda a comunidade árabe e islâmica mundial. A ausência de explicações para as incursões palestinas repassa a imagem de que existe uma vítima: Israel. E, na outra ponta, um algoz: os árabes. Neste caso, os palestinos. 
Notas
1) KAMEL, Ali. Sobre o islã: a afinidade entre muçulmanos, judeus e cristãos e as origens do terrorismo. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2007, p. 143.
2) Ex-professor de Literatura Inglesa e Comparada da Universidade Columbia, em Nova York. Said nasceu em Jerusalém, viveu no Líbano e no Egito. Autor de dezoito livros, principalmente sobre crítica literária, cultural e de mídia.
3) SAID, Edward W. Cubriendo el islam: como los medios de comunicación y los expertos determinan nuestra visión del resto del mundo. Barcelona : Debate, 2005, pp. 106-07.
4) DORNELES, Carlos. Deus é inocente: a imprensa, nãoOp. Cit., p. 243.
5) FISK, Robert. O medo de ser caluniado como anti-semita. The Independent, Londres, 17 abr. 2001. Informação traduzida e cedida por Emil Mourad, secretário-geral da Confederação Árabe-Palestina do Brasil.
6) DEBRAY, Régis. Le Monde Diplomatique Brasil. O Memorando Debray sobre a Palestina, São Paulo, ano 1, n.º 1, pp. 10-1, agosto 2007.
7) SAID, Edward W. Cubriendo el islam: como los medios de comunicación y los expertos determinan nuestra visión del resto del mundoOp. Cit., p. 165.
8) WHITAKER, Brian. Desmascarando eufemismos na cobertura jornalística do conflito israelo-palestino. The Guardian, Londres, 9 abr. 2001. Informação traduzida e cedida por Emil Mourad.
9) Vocábulos mais moderados, brandos, usados no lugar de outros mais agressivos, exagerados. Um recurso empregado para se amenizar, camuflar, induzir, omitir ou distorcer certas situações.

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