24 de dez. de 2010

O ENCONTRO DE DUDU COM O BOM VELHINHO LINDO CONTO......




















Dudu, que se chama Maria de Jesus mas todo mundo só conhece como Dudu, tinha 15 anos quando descobriu que Papai Noel existia. E só acreditou quando viu o bom velhinho na televisão, numa propaganda, lá em Mucuíba, que hoje se chama Senador La Roque e fica pras bandas de Imperatriz, no Maranhão. Mas como a tevê _ a primeira que o pai, o lavrador Pedro Noleto, pôde comprar na vida _ era em preto e branco, Dudu levou mais uns bons quatro anos para saber que Papai Noel tinha roupa vermelha em vez de cinza.

Até o dia em que Papai Noel entrou assim meio de supetão na sua casa e na sua vida _ não pela chaminé, mas pela antena espetada no topo da casinha de taipa _ Dudu nunca tinha ouvido falar em Papai Noel. Ela até sabia que existia Natal, embora Natal fosse um dia como qualquer outro na rotina da família pobre de oito filhos.

(Cabe aqui um pulinho no tempo, 11 anos à frente, até 1999: Maria de Jesus Ferreira de Souza, a Dudu, mora em Santo Antonio do Descoberto, trabalha como doméstica na Asa Norte, tem 26 anos e nunca _ isso mesmo: nunca (antes deste dezembro de 1999) _ comemorou Natal; nunca teve árvore de Natal; nunca ganhou presente de Natal. Ah, mas continua acreditando em Papai Noel. Aliás, Dudu agora acredita em Papai Noel mais do que nunca, como veremos nos próximos capítulos.)


A BONECA DO MILHARAL

Dudu tem dez anos, vive numa cidadezinha perdida no mapa do Maranhão que tinha e ainda tem um nome muito engraçado: Tuntum. Dudu tem dez anos e não sabe o que é brinquedo. Já ajuda o pai a capinar roça, como no futuro, quando a família for tentar a sorte em Mucuíba, continuará ajudando na capina e fazendo comida para os irmãos lavradores.

Na verdade, não é que Dudu não saiba o que é brinquedo. Ela sabe, o ruim é que nunca pôde ganhar um. Como o que não tem remédio remediado está, Dudu brinca com o único modelo de boneca disponível para as meninas que moram no Tuntum e são pobres que nem ela: uma espiga de milho.

Dudu vai até o milharal e apanha uma espiga, que deve ainda estar vestida de palha, antes de começarem a nascer os carocinhos de milho. Escolhe a espiga pela cabeleira mais bonita, amarela ou vermelha, que assim vira uma boneca loira ou ruiva. A boneca de Dudu, portanto, não se aparece nada com a dona, que tem cabelo preto que nem asa de graúna.

Que ninguém pense que Dudu tem uma coleção dessas bonecas que ela veste com trapos de pano e põe pra dormir todas as noites, junto com oito crianças que se espremem no único quarto do casebre. Não, essa boneca, que parece ser de graça, na verdade custa muito: cada espiga loira ou ruiva arrancada do milharal para dormir nos sonhos de Dudu é uma espiga de milho a menos na comida da família.


A ESPERA

Desde o dia em que descobriu que Papai Noel existe, o Natal de Dudu nunca mais foi o mesmo. Quer dizer, continuou um dia sem árvore de Natal e sem presentes como todos os outros dias. Mas agora com uma esperança. E é assim que quando chega a noite de 24 de dezembro, Dudu põe a boneca de milho para dormir e mal consegue pregar o olho: em vez da espiga de milho, espera acordar com uma boneca de verdade, de plástico, dormindo ao lado.

É que _ pergunta daqui, pergunta dali _ Dudu ficou sabendo que o tal Papai Noel anda por aí arrastando um saco de pano cheio de brinquedo, para distribuir para as crianças.

Quando abre os olhos na manhã de 25 de dezembro e vê que a espiga não se transformou numa boneca que anda, bate palminha, fala "Mamãe", canta ou pelo menos tem braço, perna, olho, boca e cabelo de gente em vez de cabeleira de milho, Dudu fica triste. Mas não muito:

"Deve ter criança mais pobre do que eu, mais precisada de Papai Noel. No ano que vem ele vem", pensa Dudu. E segue esperando. Até que um dia se cansa.

(Não deveria ter se cansado, como veremos nos próximos capítulos.)


O MELHOR E O PIOR

Dudu tem 19 anos e mora em Imperatriz quando se cansa de esperar Papai Noel. E se casa com Edilon, que dois anos depois lhe dá o único filho, Alex.

A vida melhora. Edilon é motorista, filho de seu José Rodrigues, fiscal da prefeitura de Imperatriz. Dudu agora tem tevê em cores, já sabe que Papai Noel é ainda mais bonito porque tem a roupa vermelha em vez de cinza, mas acha que é muito tarde, que é grande demais para seguir esperando por ele.

A vida piora quando um policial militar bêbado mata seu José Rodrigues e Edilon, revoltado com a morte do pai e com a impunidade do assassino, resolve ir embora de Imperatriz. Primeiro para Goiânia, depois para o Distrito Federal, onde a família desembarca em março deste ano. Dudu, Edilon e Alex vão morar numa casinha ainda em construção em Santo Antonio do Descoberto. Dudu vira doméstica, Edilon compra um balde de graxa e uma bomba, que põe nas costas e sai de posto em posto, oferecendo-se para lubrificar caminhões.

A vida piora de novo na noite de agosto em que Edilon é assaltado ao chegar em casa. Tenta reagir, leva sete tiros _ na boca, cabeça, pulmão, braço, perna _ e fica sem os R$ 50,00 que trazia. Sobrevive, mas precisa fazer cinco cirurgias na boca. Mesmo assim, Edilon continua carregando nas costas a bomba de lubrificar que pesa 10 kg. Mesmo assim, Dudu continua acreditando em Papai Noel, apesar de grande.

(Tinha razão em continuar acreditando, como veremos nos últimos capítulos.)


A FOTOGRAFIA

Um dia, a patroa perguntou a Dudu, que agora tem 26 anos, se ela não queria levar Alex ao shopping, para tirar uma foto ao lado de Papai Noel. (No futuro, será difícil dizer quem ficou mais alegre e perdeu mais noites de sono com o convite, a mãe ou o filho.) E é assim que nessa segunda-feira, quando faltam cinco dias para o Natal, a patroa leva Dudu e Alex ao Pátio Brasil. Dudu, que nunca viu Papai Noel ao vivo, também nunca entrou num shopping. Vê as vitrines, as luzes coloridas, as árvores de Natal de todos os tamanhos e tipos, as escadas rolantes, o elevador panorâmico, mas nada que se compare ao velhinho de barba branca e roupa vermelha sentado na cadeira, que verá a seguir.

É o encontro que esperou a vida quase toda. E Dudu não sabe o que dizer. Fica parada, olhando de longe, com uma pontinha de inveja boa, o filho que abraça e beija e tira retrato com Papai Noel. Só estranha quando Papai Noel abre a boca do saco de pano vermelho e tira de dentro uma bala, que entrega a Alex:

"Ué, Papai Noel distribui não é brinquedo?"


UMA PESSOA DO CÉU

"Escada rolante eu já conhecia, da Rodoviária do Plano Piloto. Elevador tem no meu emprego, lá na Asa Norte, se bem que o do shopping é transparente. Shopping é uma coisa bonita, tudo nele é bonito, mas eu queria mesmo era ver o Papai Noel. Só que não dava para ver de longe, porque a cadeira dele fica meio recuada. Quando a gente foi chegando perto, eu primeiro vi as mocinhas vestidas de Papai Noel. De repente, ele apareceu. O Alex largou minha mão, saiu correndo, foi abraçar ele. Eu também queria correr, queria abraçar, queria tirar retrato, mas não tive coragem, fiquei com vergonha. Eu não sei bem quem é Papai Noel, acho que é uma pessoa do céu. Nossa, como eu esperei por ele!... Vi na televisão que quando é Natal ele vem do céu para a terra numa carrocinha, puxada por uns bichos parecidos com cavalo, mas não é cavalo, o Alex acha que é burrinho, mas é também não. Antes eu pensava que só existia um Papai Noel, depois comecei a achar que tinha um em cada cidade: Brasília, Imperatriz, Tuntum.... Hoje eu sei que todo shopping tem Papai Noel, mas como ele não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo, tem gente, gente comum, que se veste como se fosse ele. Mas um desses é o verdadeiro Papai Noel. Pena que a gente não sabe qual..."


EPÍLOGO

Sexta-feira, véspera do Natal mais importante da vida de Dudu. Pela primeira vez ganhou presente (roupas, um relógio e um frasco de perfume, dados pela patroa). Pela primeira vez, viu Papai Noel. E hoje está de volta ao shopping, para fazer, ao lado de Papai Noel, a fotografia que ilustra esta história de Natal.

Menos tímida que da primeira vez, Dudu agora chega bem pertinho de Papai Noel. Beija o rosto dele, alisa as barbas brancas, que têm a textura do algodão, dá um abraço apertado. E só então, depois de tudo, chora.


(Explicação técnica)

A fotografia que ilustra esta história de Natal levou um quarto de segundo (1/250) para ser feita: o tempo necessário para a câmera escura deixar entrar a luz que eternizou o momento eterno.

A fotografia que ilustra esta história de Natal demorou muitos e muitos anos para ser feita: o tempo necessário para que certos sonhos se tornem realidade.José Rezende JR 

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QUEM NÃO OUSARIA????????

QUEM NÃO OUSARIA????????
COLHER TÃO LINDA ROSA?????

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